Pais atípicos transformam realidade em empreendedorismo no Pará
Patrícia do Socorro Maciel Castro, 44 anos, e Pedro Castro, 56 anos, pais de dois filhos com deficiência, reescreveram a própria história ao abrirem um café para vender quitutes

Vivendo em uma casa modesta no conjunto Cidade Nova 6, em Ananindeua, no Pará, uma família transformou dor em força, fé em rotina e amor em negócio. Patrícia do Socorro Maciel Castro, 44 anos, e Pedro Castro, 56 anos, pais de dois filhos com deficiência, reescreveram a própria história ao abrirem um café para vender quitutes, alguns sem glúten e sem lactose, que ela mesmo produz na mesma casa modesta em que moram. O objetivo: garantir qualidade de vida à família e dignidade aos filhos, cena corriqueira para mães, e mais ainda para mães atípicas.
Patrícia é técnica de enfermagem de formação, mas desde o nascimento da filha mais velha, Kelen, diagnosticada com paralisia cerebral, microcefalia congênita e autismo nível 3 de e, deixou a profissão para se dedicar integralmente aos cuidados da menina, hoje com 19 anos. O filho caçula, Kevin, de 14 anos, também é autista e tem TDAH.
“Eu sou mãe em tempo integral. A minha rotina começa de madrugada e termina muitas vezes no dia seguinte. Faço tudo entre trocas de fraldas, preparos de alimentos, sucos, terapias, e produção dos chopes e bolos que vendemos. A madrugada é o meu melhor horário de produção. É quando a casa está em silêncio, e eu consigo focar”, conta Patrícia, com um sorriso cansado, mas firme.
Pedro, que por anos trabalhou como coordenador de vendas, decidiu abandonar a carreira quando a filha nasceu. “Não podia deixar minha esposa sozinha, com apenas 21 anos, sem saber como cuidar de uma criança com múltiplas deficiências. Era muita responsabilidade. Eu me reinventei”, conta ele. Hoje, Pedro é autônomo: vende salgados e sucos naturais.
Juntos, criaram o “Café da Manhã da Patty”, um projeto que nasceu da necessidade e cresceu com o apoio da comunidade. “Comecei a vender chope na rua, mas com as chuvas e os desafios, resolvi trazer as pessoas até a minha casa. Aos domingos, montamos um café fresquinho, com bolos e tortas que eu mesma faço, como o de macaxeira caramelizado sem glúten e sem lactose, que virou meu carro-chefe”, relata Patrícia, orgulhosa. Atualmente, ela integra o projeto Empreendedorismo Inclusivo, do Sebrae, que apoia mães de pessoas com deficiência por meio do empreendedorismo.
A vida é dura, item. O benefício de prestação continuada (BPC) dos filhos cobre apenas parte das necessidades básicas. Metade é comprometida com fraldas geriátricas, a outra com plano de saúde. Não sobra muito. Mas há fé. E há força. “Não temos luxo, mas temos dignidade e Jesus no coração. Isso me faz feliz”, afirma Pedro.
A rotina do casal é um rodízio permanente entre vender e cuidar. Patrícia produz, Pedro entrega. Quando ele cuida dos filhos, ela vende. Já chegaram a montar o ponto de venda na porta de um circo, com as crianças ao lado em cadeiras de praia. “A gente nunca deixou eles pra trás. Se vamos à praia, levamos nossa farofa, armamos tudo no carro e tá tudo certo. Eles brincam, e a gente volta feliz”, compartilha Patrícia.
Desafios
Apesar dos esforços constantes, a realidade financeira das famílias que cuidam de pessoas com deficiência é desafiadora. Patrícia relata que parte fundamental da sobrevivência da família vem do Benefício de Prestação Continuada (BPC), concedido aos dois filhos. Mas, mesmo com esse e, a conta não fecha.
“Metade do benefício da nossa filha está comprometido com fralda geriátrica, a outra metade paga o plano de saúde. E o que sobra é pra alimentação, vestuário, deslocamento para as terapias. Isso tudo ainda precisa ser arcado”, diz Patrícia.
Ela aponta que o sistema atual, além de burocrático, penaliza quem tenta buscar autonomia financeira. “Se eu abrir um CNPJ para formalizar meu pequeno negócio, o benefício da minha filha é cortado. Isso nos prende. Precisamos de mudanças legais que compreendam a nossa realidade”, acredita
Propósito
Além do empreendedorismo, Patrícia também encontrou propósito no coletivo. Hoje, é presidente de uma associação de apoio a mães atípicas em Ananindeua. “Essa rede me acolheu, me ensinou, me fortaleceu. Assumir a presidência foi dar continuidade a um legado. Quero mostrar pra outras mães que ter um filho com deficiência não é uma sentença, é um novo caminho”, afirma. Patrícia está no segundo mandato e diz que mesmo cansada o cargo é um propósito.
Projeto do Sebrae apoia mães de pessoas com deficiência por meio do empreendedorismo
Capacitação e apoio para quem cuida e empreende: esse é o foco do projeto Empreendedorismo Inclusivo, do qual Patrícia Castro faz parte, uma iniciativa do Sebrae no Pará que integra o Programa Sebrae Delas – Mulheres de Negócios. A iniciativa é voltada para mães de pessoas com deficiência ou com neurodesenvolvimento atípico, oferecendo a elas trilhas de capacitação adaptadas às suas realidades e demandas.
Segundo o gerente da Agência Metropolitana do Sebrae no Pará, Igor Silva, o programa nasceu da percepção da importância de atender de forma mais estruturada um grupo de mulheres que já vinha sendo acompanhado de forma pontual pela instituição. "A gente entendeu que precisava de um cuidado maior. Era necessário criar algo mais robusto, organizado e que realmente se adaptasse às necessidades dessas mães", explica.
Capacitação em três etapas
O projeto oferece uma trilha de capacitações dividida em três fases: desenvolvimento comportamental, que é voltada ao fortalecimento emocional e de atitudes empreendedoras, considerando os desafios enfrentados por essas mulheres no cotidiano; gestão de negócios, com temas como planejamento, finanças, vendas e atendimento ao cliente; e inserção no mercado, que garante participação em eventos e feiras, como a Semana do Microempreendedor Individual, para estimular a comercialização de produtos e serviços.
"As oficinas são curtas, pensadas para respeitar o tempo dessas mulheres, que é extremamente precioso. Ainda assim, têm um impacto profundo", destaca Igor.
Quem pode participar?
O principal critério é ser mãe de uma pessoa com neurodivergência ou deficiência e ter um negócio ativo ou a intenção de empreender. Muitas participantes atuam em áreas como alimentação e economia criativa, segmentos contemplados na estratégia do programa.
“Nós começamos com um grupo de 45 mães e organizamos as atividades em trilhas. A ideia é acolher e impulsionar essas mulheres para que possam se desenvolver como empreendedoras, mesmo diante dos inúmeros desafios que enfrentam em suas rotinas", garante Igor Silva. “Com o projeto Empreendedorismo Inclusivo, o Sebrae reforça seu compromisso com a inclusão social e econômica, valorizando o potencial empreendedor de mulheres que, além de enfrentarem a jornada do cuidado, também buscam transformar suas vidas por meio do trabalho e da autonomia”.
Apoiada pela iniciativa do Serviço, a história de Patrícia e Pedro é, acima de tudo, um testemunho de resistência, amor e fé. Uma lembrança viva de que, mesmo em meio às maiores adversidades, há sempre espaço para recomeçar, com dignidade e esperança. E esperança é algo que Pedro e Patrícia conhecem bem. O maior sonho dele, por exemplo, ele fala sem hesitar: “Ouvir minha filha me chamar de papai, nem que seja uma vez, antes de eu partir”.
Palavras-chave
COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA