Mulheres do Marajó colhem os frutos da independência econômica
Parceria entre associação de agroextrativistas e a Natura impulsiona renda, autoestima e protagonismo feminino em Afuá, no Pará

Na Amazônia, onde cada fruto tem seu tempo, mulheres semeiam o futuro com as mãos e colhem autonomia. Lurdes, Benedita, Dionete, Leonilda e Tainá são algumas das marajoaras que fornecem, há cerca de uma década, bioingredientes como murumuru, ucuuba e patauá para a Natura, empresa brasileira que tem investido na conexão entre saberes tradicionais e o mercado dos óleos vegetais — uma cadeia produtiva marcada pelo respeito aos ritmos da floresta.
“Antes da máquina, a gente usava o martelo pra quebrar os frutos. Era mais difícil. Mas no tempo do martelo era uma alegria, sabe? Aquilo era divertido. A gente sentava, ficava todo mundo junto trabalhando”, lembra Lurdes Batista, de 72 anos, uma das primeiras mulheres a integrar o centro de produção de murumuru e ucuuba na comunidade São José do Rio Maniva, em Afuá (PA).
Com a chegada da Natura, vieram também painéis solares, renda própria e reconhecimento. “Antes disso, só o marido saía pra pescar”, conta. Hoje, 13 mulheres se revezam na produção que respeita os ciclos da floresta. “A gente não colhe tudo. Espera a natureza dar. E não derruba, pra não acabar com o nosso trabalho”, ensina a extrativista septuagenária, já aposentada.
Saberes geracionais
O aproveitamento multifuncional do que a natureza dá precede a visão industrial da produção. Leonilda Silva, 49, filha de Lurdes, conta: “Minha bisavó usava as cascas do murumuru para espantar insetos com fumaça. A gente sempre reaproveitou tudo. Hoje eu continuo porque, além de ser minha renda, isso é minha terapia contra a depressão. Antes eu não ria, hoje eu consigo sorrir”.
Leonilda conseguiu comprar uma rabeta e construir sua casa com o que já ganhou do murumuru e da ucuuba, cujo preço por quilo subiu de R$ 2,50 (em 2015) para até R$ 5 atualmente. E com a inauguração da agroindústria da Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas (ATAIC), que vai transformar as amêndoas em manteiga vegetal, a expectativa é de um aumento de até 60% na renda das extrativistas, segundo a Natura.
“Eu vivia do Bolsa Família. Mas, pra uma mãe solteira de cinco filhos, não dava. Isso aqui melhorou muito a minha vida”, acrescenta Leonilda, emocionada.
Segundo dados da cooperativa, mais de 400 famílias participam hoje da rede da ATAIC, que atua nos estados do Pará e Amapá há 25 anos impulsionando cadeias de sociobiodiversidade, com fornecimento regular de insumos como murumuru, patauá e andiroba. A Natura mantém contratos de compra com cláusulas de preferência — garantindo estabilidade no escoamento da produção, sem exclusividade.
Do preconceito à autonomia financeira
Como o rio, essas mulheres venceram o que parecia intransponível:
“Quando a gente começou, foi muito difícil. Principalmente porque fomos muito criticadas pelos homens. Diziam: ‘as loucas já vão pro mato’. Mas nós não ligamos. Continuamos”, conta Benedita Oliveira, 40, que realizou o sonho de viajar de avião a capitais como Belém e São Paulo graças ao agroextrativismo. “Hoje, os homens reconhecem. Eles veem o nosso trabalho. Vêm ajudar a catar, a quebrar”, conta Dionete Cardoso.
Aos 48 anos e mãe de nove filhos, ela resume: “Antes, nós mulheres não éramos vistas. Dependíamos do que os homens traziam. Hoje, se a gente quiser comprar algo para nossa família, nós já temos o nosso dinheiro”.
Aos 27, Tainá Rosa representa uma nova geração de agroextrativistas. Mãe solo de três filhos, ela voltou a coletar o murumuru após o fim de um relacionamento. “Eu quero construir uma casa pra mim. O que a gente ganha aqui não é muito, mas dá pra construir alguma coisa. Minha mãe cuida das minhas filhas enquanto eu vou pro mato”, conta.
Ela coleta em áreas de várzea, onde a maré e o clima determinam até onde é possível ir. E mesmo nos riscos — como cobras que já apareceram no caminho, ou o peso do fruto nas costas — Tainá encontra alívio na experiência em grupo.
“É tão bom estar no mato. A gente conversa, brinca, acha graça junto”, relata.
Agregação de valor
A agente de campo da ATAIC, Marta Cardoso, vê na inauguração da agroindústria um divisor de águas. “É um sonho se concretizando. Aumenta a responsabilidade, mas também a renda e o reconhecimento. A gente quase desistiu muitas vezes, mas agora sabemos que valeu a pena”, considera.
Para Carolina Domenico, gerente de relacionamento e abastecimento da sociobiodiversidade da Natura, o novo ciclo que se inicia com a agroindústria é também uma mudança de patamar econômico para essas comunidades. “As sementes beneficiadas aqui seguem para a agroindústria para serem transformadas de amêndoa para manteiga. Esse processo traz a agregação de valor para a comunidade”, explica.
Em alguns casos, como no beneficiamento do murumuru, a quantidade de sementes necessárias para produzir uma tonelada de óleo é quatro vezes maior. Com o processamento local, há ganhos logísticos e maior rentabilidade para quem vive da floresta.
*O jornalista viajou a convite da Natura e da WEG.
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